#25 – Choros, linhas retas e algumas indicações
Não consegui escrever nada na semana passada. Entre o burnout político e uma covid que, depois de 2 anos de pandemia, enfim me pegou, a vida parecia estar passando como um grande borrão. Nos raros momentos em que estive bem, pintei uma tela ou outra. Trabalhei em um poema. Li páginas e páginas do Mandíbula (romance da Mónica Ojeda que é a minha mais nova obsessão). Usei os frangalhos da minha garganta depauperada pra gritar na janela um sonoro volta-pro-esgoto-fascista-de-merda que conseguiu lavar parte da minha alma (ainda vai demorar pra ser lavada por inteiro). Chorei. Chorei bastante. Chorei sozinha em uma sexta à noite me sentindo esquecida pelo mundo, chorei tendo uma crise de pânico enquanto tentava tirar o acesso da minha veia e dizia eu-quero-sair-daqui pra enfermeira do Rio Mar, chorei ouvindo o Lula fazer o seu primeiro pronunciamento pós-eleição.
Sei lá. Qualquer coisa de esgotamento, qualquer coisa de esperança. No meio disso tudo, decidi escrever um romance. Era uma ideia que já sobrevoava a minha cabeça há algum tempo, mas pensei que seria uma boa aproveitar o mês de novembro (aquela história do NaNoWriMo). Nesses meus últimos experimentos com tinta acrílica, tenho lembrado muito do que meu pai dizia. Ele era artista plástico e costumava me falar que até mesmo pra subverter as regras, é preciso conhecer as regras. Isso porque, quando eu era mais nova e pegava as tintas dele pra pintar, eu gostava muito de me lançar a experimentações livres & caóticas, mas nunca tinha paciência pra sentar 5 minutos e aprender a técnica de alguma coisa. Consequentemente, acabava esbarrando em problemas técnicos que minavam a força das minhas experimentações livres & caóticas, então terminava frustrada e queria jogar todas as tintas, papéis e canetas longe.
Como uma boa adolescente, eu achava besteira. Pensava que ele dizia isso porque, antes de ser artista, tinha sido engenheiro. Era uma pessoa de linhas retas, cálculos, exatidões. Eu: fluida, espalhada, sem tempo pra réguas. Meu pai não falava isso só a partir da experiência dele com a arte, mas também com o piano: dizia que primeiro era preciso aprender a tocar de forma clássica pra só depois começar a improvisar. Primeiro, dominar a regra. Só então: quebrá-la. Demorei a ver sentido no que ele dizia, mas agora vejo.
Não sei de que forma isso se aplica à literatura — ou à minha relação com ela. Sempre escrevi quando bem entendia, sem ordem, planejamento, sem regras. Gosto de mergulhar nos convites que a experimentação me faz. Escarafunchar possibilidades, investigar labirintos. A escrita e a arte sempre me lembraram aquela brincadeira de festa junina em que você precisa enfiar a mão em uma caixa escura sem saber o que vai encontrar. Me agrada ir tateando no escuro, encostar em coisas pegajosas, grudentas, porosas. Às vezes, tentar descobrir o que são. Às vezes, nem isso. Só perceber suas texturas, sem compromisso com o nome que costumam ter.
Ao mesmo tempo, conforme pego as tintas acrílicas pra começar a pintar uma cena que tenho em mente, não consigo deixar de pensar que é preciso planejar a escolha das cores, a forma como vão se misturar (ou não), o espaço que cada elemento vai ocupar na tela em branco. É preciso pensar na composição. Embora entender as regras seja uma etapa enfadonha pra minha alma aquariana, faz sentido que a gente precise passar por isso pra, enfim, ter condições de romper com elas. Talvez porque seja importante saber com o quê estamos rompendo. Ou talvez porque, contrariando as crenças do meu caótico sol em aquário, também existe beleza nas linhas retas.
Café com livro
Mais uma novidade pra comemorar os 500 700 inscritos da Café com caos: agora teremos indicações de livros com cupom de desconto de 20% na Dois Pontos!
Pra quem não conhece, a Dois Pontos é uma livraria on-line com um trabalho super cuidadoso de curadoria. Meu primeiro contato com eles foi através do clube de assinatura, que todo mês envia um livro surpresa pra nossa casa, com direito a um pôster lindíssimo e um guia de leitura, contendo várias informações sobre o autor e a obra. Mostrei um pouquinho dos livros que eu recebi através do clube nesse post.
No site deles, a gente também encontra vários conteúdos com dicas literárias, o que é sempre uma boa forma de descobrir autores novos e saber mais sobre o que tem sido lançado por aí. Na semana passada, inclusive, saíram indicações minhas por lá! As 3 obras que escolhi — Rinha de galos (María Fernanda Ampuero), Pássaros na boca (Samanta Schweblin) e O corpo dela e outras farras (Carmen Maria Machado) — são ótimos representantes do horror contemporâneo.
E um deles vai ser também a estreia desse quadro quinzenal:
Rinha de galos, primeiro livro de contos da equatoriana María Fernanda Ampuero, me atropelou quando li. A começar pelo primeiro conto, em que uma menina decide esfregar no próprio corpo fezes e sangue de galos mortos pra evitar que homens abusadores se aproximem dela. O livro inteiro é atravessado por essa mistura de horror, nojo e assombro, e muitas narrativas têm mulheres como protagonistas (inclusive mulheres gordas, imigrantes, marginalizadas de alguma forma). Longe daquele terror que parece não ter nenhum vínculo com a realidade, os contos de Ampuero fincam os dentes na gente porque se mostram terrivelmente familiares, impregnados dos nossos próprios medos (especialmente se você for uma mulher latino-americana).
Para comprar o livro com 20% de desconto, basta entrar nesse link e usar o cupom CAFECOMCAOS.
Participações especiais
Essa semana, convidei a Bárbara Bom Angelo pra fazer uma participação especial por aqui escolhendo 3 livros de autoria feminina que a impactaram recentemente. A Babi é jornalista e escreve a maravilhosa newsletter Queria ser grande, mas desisti, uma das minhas favoritas por aqui. As escolhas dela foram:
Os despossuídos (Ursula Le Guin)
Não me canso de babar nos escritos de Ursula. É das minhas autoras favoritas. Faz alguns meses li Os despossuídos e o amor só cresceu. Um livro sobre poder, conexão e luta. É ficção científica das grandes — combina a construção de mundos e dinâmicas com uma escrita do mais alto nível. Difícil ler algo dela e sair a mesma.
Poemas (Wislawa Szymborska)
Conhecida também como a mulher que me fez gostar de poesia. Li Poemas aos poucos e me emocionei a cada página. É de uma delicadeza, inventividade — e força. E nossa, como é atual.
Lili (Noemi Jaffe)
Noemi Jaffe escreve de um jeito direto, sem obstáculos, mas com muito charme. Neste livro, sobre o luto que viveu depois de perder a mãe, ela traz detalhes e momentos mínimos que tornam a lembrança palpável. Observação atenta que transborda no texto. Terminei a leitura comovida e inspirada.
Li, assisti, encontrei
Andei vendo muitas coisas nos últimos dias e estou com várias recomendações na categoria: audiovisual. Seguem algumas:
✷ Inside man (disponível na Netflix): minissérie curtinha de 4 episódios sobre um vigário que, de repente, se vê envolvido em um sequestro. Tem uns diálogos meio pretensiosos aqui e ali, mas é um bom suspense.
✷ Esportes pelo mundo (disponível na Netflix): série documental com 6 episódios que mostra diferentes esportes pelo mundo. Comecei a assistir de bobeira, mas achei incrível ver como os esportes também refletem diferentes culturas, como cada povo lida com a dor, o corpo, a competitividade. Um ou outro episódio mostra um esporte que envolve animais, o que me fez pegar o controle remoto e avançar, mas, de resto, gostei muito.
✷ Drink masters (disponível na Netflix): como boa fã de reality shows que sou, não podia perder Drink masters, novo reality em que vários mixologistas competem por um prêmio fazendo drinks diferentíssimos.
✷ As três irmãs (disponível na Netflix): inspirado no clássico Little women, livro da Louisa May Alcott, esse dorama trata da história de três irmãs pobres que, após um incidente com a mãe, se envolvem com uma família rica e perigosa.
✷ O enfermeiro da noite (disponível na Netflix): o filme conta a história real de um enfermeiro que matou mais de 300 pessoas sorrateiramente. A trama não é nada demais, mas Eddie Redmayne tá incrível no papel de Charles Cullen.
não conhecia Wislawa Szymborska e estou emocionada com a poesia dela, foda!!
ótimas indicações, adicionei várias a minha lista de leitura
Assisti o enfermeiro da noite no final de semana, achei bem previsível (apesar de ser baseado em fatos reais né). O Redmayne tá mesmo maravilhoso.
O livro da Ursula tá na lista, já tentei começar mais de uma vez mas não engatei... O Rinha de galos eu tô curiosa faz um tempo, desde que vi a Tayná Saez comentando. Acho que vai numa próxima compra, com esse desconto aí :)