#29 – Sei lá, Simone, mil coisas
Então é Natal, e o que você fez?
Sei lá, Simone, mil coisas. E quase nada. Comecei uma revista literária. Tive um pequeno burnout com as demandas de uma revista literária. Escrevi. Odiei tudo o que tinha escrito. Planejei escrever mais. Não escrevi mais. Me odiei por não ter escrito mais. Decidi que em 2023 escreveria. Engordei. Pensei que ser gorda em um mundo que odeia gente gorda é muito cansativo pra uma pessoa já tão cansada. Quis emagrecer. Não emagreci. Engordei mais um pouco. Finalizei a leitura de alguns livros, abandonei outros tantos. Comprei uma mesa pra organizar meu espaço, descobri que precisaria de mais um gaveteiro pra conseguir organizar meu espaço. Não organizei meu espaço. Comecei a mexer com cerâmica. Desenhei, pintei, fiz colagens. Decidi abrir uma lojinha de artes. Percebi que abrir uma lojinha de artes exige vários investimentos, posterguei a lojinha de artes. Bati ponto no hospital algumas vezes. Fui perfurada por acessos e vacinas. Não mergulhei no mar nenhuma vez. Senti a raiva engrossar no estômago. Envelheci 12 anos. Recusei aproximações. Deixei muitas mensagens sem resposta. Parei de receber mensagens. Planejei viagens, não tive dinheiro pras viagens planejadas, desmarquei as viagens. Cuidei de uma cachorra que precisa de muitos cuidados. Me rendi às cadeiras gamer. Ajudei a eleger o Lula. Gritei na janela até exorcizar os choros dos últimos 4 anos. (Não exorcizei os choros dos últimos 4 anos.) Quebrei copos e expectativas, atravessei um novo limite que preferia não ter atravessado, ganhei muitos cabelos brancos. Defini um novo norte. Senti o gosto amarelo do medo. Quis morrer. Quase morri. Não morri. Insisti em desejar.
Leituras do futuro
Depois do ranking de atravessamentos literários de 2022, hoje é dia de selecionar algumas: leituras pra 2023. Não vou me comprometer com nenhum desafio literário, nem qualquer lista pré-selecionada, porque já percebi que gosto das minhas leituras soltas — e todas as minhas tentativas de seguir uma lista fechada deram errado. Por aqui, não rola. Vou lendo conforme as necessidades do momento mandam. Ainda assim, tem alguns títulos que me chamaram a atenção esse ano e que estão no meu radar de próximas leituras. São eles:
Noite e dia desconhecidos (Bae Su-Ah)
“Neste romance de uma das vozes mais originais e ousadas da nova literatura sul-coreana, o leitor embarca em uma jornada onírica por uma Seul densa e misteriosa. Após perder seu emprego em um teatro para cegos, a atriz Ayami vaga pelas ruas à procura de uma professora desaparecida enquanto a realidade parece pouco a pouco se desfazer, e elementos enigmáticos ressurgem em outros locais, quando o livro nos conduz à ensolarada Valparaíso. "Noite e dia desconhecidos" remete aos melhores filmes de David Lynch e Kim Ki-Duk ao oferecer um quebra-cabeças surreal que ecoará em nosso pensamento — consciente e inconsciente — por muito tempo.”
O verão em que mamãe teve olhos verdes (Tatiana Ţîbuleac)
“Aleksy sempre recordará aquele verão que passou sozinho com sua mãe em um vilarejo francês, mesmo muitos anos depois. Quando ela foi buscá-lo no instituto, seu ódio, rancor e desprezo por ela o impediam de sequer imaginar que poderia ser um verão marcante, muito menos que ódio, desprezo e rancor pudessem ter outras formas. A força narrativa de Tatiana Ţîbuleac se propõe a desvelar camadas após camadas nas relações familiares, em um testemunho inusitado da hipossuficiência e relevância das relações entre mãe e filho, sem concessões a convenções ou sentimentalismos.”
Life ceremony (Sayaka Murata)
“Radical, untamed, always unexpected: a thrilling, can't-look-away collection of stories from the author of the internationally bestselling phenomenon Convenience Store Woman.” (Pelo que sei, ainda não tem tradução pro português.)
Temporada de furacões (Fernanda Melchor)
“Garotos brincam às margens de um canal e descobrem um cadáver putrefato. É a Bruxa, ou Bruxa Menina, figura icônica e temida em La Matosa, que parece lhes sorrir. A partir daí, em uma torrente narrativa intensa, Fernando Melchor recompõem os fatos que levaram ao crime a partir dos relatos de alguns dos envolvidos, criando um retrato visceral de uma cidadezinha perdida no México e seus terrores, um lugar dominado por pobreza, superstição, misoginia, preconceito, violência institucional e nas relações íntimas.”
Aos prantos no mercado (Michelle Zauner)
“Não é preciso conhecer nada de gastronomia para saber que a comida é uma das bases de nossa educação sentimental. Os ingredientes, os modos de preparo, a combinação de aromas, cores e sabores com as quais aprendemos a nos familiarizar compõem o repertório íntimo de cada um de nós. E é justamente esse poder de mobilizar o afeto que é evocado desde o primeiro parágrafo de Aos prantos no mercado. Nele, vemos a protagonista, que atravessa o luto pela morte precoce da mãe, liberando o pranto represado ao percorrer as prateleiras do mercado coreano H Mart em Nova York. Enquanto a saudade da mãe coloca em perspectiva as antigas rebeliões da adolescência e atenua o rigor do julgamento das escolhas feitas pelos pais, a comida representa uma espécie de tábua de salvação na qual Zauner navega os descaminhos dos últimos e dolorosos momentos da mãe. Nessas memórias, a autora relembra a culinária afetiva a fim de não se perder de si ao atravessar o luto.”
ALIÁS, Aos prantos no mercado é o livro da vez na nossa parceria com a Dois Pontos e está saindo com 20% de desconto (de R$ 69,90 por R$ 55,92) pra quem usar o cupom CAFECOMCAOS até o dia 31 de dezembro. Clica aqui pra saber mais!
Michelle Zauner maravilhosa já ganhou o meu coração como vocalista de Japanese Breakfast, talvez ganhe também como autora de Aos prantos no mercado.
Por aqui, fiz apenas uma promessa pra 2023: não me abandonar.
Boas festas pra ti. Beijo
"Planejei viagens, não tive dinheiro pras viagens planejadas, desmarquei as viagens." 2022 foi sobre desejar e não realizar, mas insistir teimosamente em continuar desejando. que 2023 traga alguns "sins" da vida, só pra variar