#4 – Buscando frestas — ou tentando rastejar para fora da impossibilidade
Não faço mais terapia, mas, se fizesse, diria pra terapeuta que tenho me sentido: cimentada. Assim como o meu corpo que não vê uma atividade física há séculos e a cada dia range mais, endurece mais, deixando cada movimento minúsculo com o peso de uma odisseia. O meu corpo me lembra uma unha arranhando o quadro negro. Dois ossos se movimentando sem nenhuma cartilagem no meio. Uma roda emperrada tentando rodar. E a vida parece imitar o corpo (ou o corpo imitar a vida?). Outro dia, falando com uma amiga, eu disse: é que eu estou sem espaço de manobra. Tudo parece endurecido, inflexível, não existe espaço pra manobrar.
Nos dias de claustrofobia emocional intensa, a alienação com o BBB ajuda. Deixo o pay-per-view ligado o dia inteiro, enquanto trabalho, lavo a louça, almoço. É como sair um pouco daqui. De mim mesma, do meu endurecimento. Estar em outro lugar, com outras pessoas, outras questões. Foi numa dessas que ouvi a Linn falar pra Naiara que só conseguiu chegar onde ela está hoje porque foi encontrando brechas. Buscando fissuras. O assunto era outro, era sobre ela ser uma exceção, já que as travestis ainda são um grupo marginalizado e raramente conseguem acessar certas oportunidades e lugares. Ainda assim, a ideia de buscar fissuras alugou um triplex em mim.
Talvez seja um caminho. Encontrar frestas, mesmo que minúsculas, encontrar frestas por onde passar, por onde começar a minar o endurecimento dos dias. Pode ser uma estratégia. Enquanto escrevo esse texto, leio no Twitter: 1) a Fabrina Martinez comentando que no gesto de chupar o dedo do Tiago Abravanel tem qualquer coisa de "autogestão de crise". 2) o Átila dizendo que, em diversos zoológicos, espelhos são colocados no lugar onde ficam os flamingos, pra que eles tenham a ilusão de estar em bando.
Muitos dias têm sido impossíveis de atravessar por aqui. Às vezes, a gente precisa posicionar alguns espelhos nos lugares certos, criar estratégias de autogestão de crise, conforme for possível. Seja chupar um dedo ou se agarrar à ilusão de estar em bando mesmo não estando. Uma forma de reduzir danos, em certos casos. Em outros, uma tentativa de rastejar para fora da impossibilidade.
Li, assisti, encontrei
Excavation, do William Cobbing
Enquanto escrevia essa newsletter, só conseguia lembrar de um vídeo que eu vi anos atrás pelas esquinas da internet. Demorei, mas encontrei. É uma performance chamada Excavation e ilustra muito bem o estado emocional sobre o qual eu falei no texto de hoje.
Suíte Tóquio, da Giovana Madalosso
Esse ano decidi fazer um desafio de leitura só com livros de autoras mulheres brasileiras (clica aqui pra ver todos os livros que escolhi). O de janeiro foi Suíte Tóquio da Giovana Madalosso e eu escrevi as minhas impressões sobre ele nesse post do Instagram. O que escolhi pra fevereiro foi Inventário de predadores domésticos, da Verena Cavalcante, e a leitura já começou arrebatadora.
Trava línguas, da Linn da Quebrada
Graças ao BBB, tive a chance de conhecer a Linn da Quebrada e fiquei um tanto obcecada pelo segundo álbum dela, Trava línguas. Por aqui, andam no repeat: cobra rasteira, eu matei o Júnior e medrosa.
Até a próxima!
Maíra
[Essa edição da newsletter foi escrita em fevereiro de 2022 e enviada pelo Mailchimp. Mas, agora que migrei pro Substack, estou armazenando as edições antigas por aqui também.]