#44 – Maíra, sossegue
Uma pessoa de quem gostei meses atrás fez aniversário essa semana. No mesmo dia, a 30 quilômetros de distância, eu andava pelos corredores do mesmo shopping ao qual fui com ela, dessa vez acompanhada por outra pessoa. Essa segunda pessoa me beijou muitas vezes, nos mesmos lugares onde fui beijada meses atrás pela primeira pessoa, que agora comemora aniversários e faz transformações que não chego a acessar. A pessoa que me beija é gentil e acolhedora. Agendamos novos encontros. Volto para casa me sentindo calma.
Também a 30 quilômetros de distância da pessoa de quem gostei, converso muito com uma terceira pessoa. Que desejo encontrar em breve. Lembro dela às vezes, do nosso encontro marcado, o frio na barriga já começando a se instalar. Também lembro da primeira pessoa às vezes — por exemplo, enquanto andava pelo shopping por onde andei abraçada com ela meses atrás. Já fui naquele shopping muitas vezes. Já fui beijada e abraçada naquele shopping muitas vezes. Circulei por aquelas ruas com diferentes pessoas, sentei naqueles bancos enquanto conversava sobre diferentes assuntos. Lembro de todos os encontros passados sempre que vou lá. E é isso aí, Carlos, hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será¹.
Tenho muitos desejos transversais. Nem sempre sei como conciliá-los. Debato por horas sobre não-monogamia. Ainda quero voltar para casa acompanhada. Me interesso por uma mulher casada. Sinto vontade de dizer a alguém a frase: “gosto da vida que construímos juntas”. Sinto vontade de construir uma vida com uma pessoa, ter uma longa história, uma linguagem compartilhada, envelhecer juntas. Também sinto vontade de uma vida em que inúmeras construções se apoiam umas nas outras. E permanecem. Sem que seja necessário abrir mão de nenhuma fagulha de desejo, nenhuma parte minha. No fim das contas, nada parece convergir — pelo contrário, meus desejos se espalham feito bolas de gude.
As pessoas me atravessam, esbarram, me modificam. Me incomoda que meses ou anos depois possam parecer desconhecidas quando há pouco tempo estiveram tão dentro da minha pele, tão parte de mim. Ainda assim, quando me sinto triste, lembro daquela citação de Instagram: “você ainda não conheceu todas as pessoas que irá amar”. Estar no mundo, afetando e sendo afetada pelas pessoas, é também isso: não saber o que vai vir na próxima esquina. Alguém que me mude radicalmente, alguém que desmonte toda a visão de mundo que vim construindo, alguém que me abra uma passagem em mim mesma e me presenteie com uma nova forma de perceber a vida. Gosto de olhar para a frente tanto quanto gosto de olhar para trás. E olhar para trás me lembra de todas as vezes em que me permiti afetar e ser afetada, por um curto período de tempo que fosse, com consequências tristes ou bonitas. Entre tudo o que me sangra e me inquieta, gosto de saber que ainda é possível que encostemos uns nos outros.
¹ Não se mate
(Carlos Drummond de Andrade)
“Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, pra quê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
Não se mate”
Não li, não assisti, não encontrei
É isso mesmo, não ando lendo, assistindo nem encontrando quase nada. Até o dia 30 de setembro, estou focada na tarefa de terminar um pré-projeto de doutorado para participar da seleção da UFRJ (rezem por mim). Mas, nos momentos de folga: 1) comecei a bordar umas coisas. 2) enfim, fui à gráfica e comecei a agilizar a impressão dos prints, ou seja, enfim teremos artes minhas para venda lá no Instagram (sim, por enquanto vai ser tudo por lá).
Também vivi um bom feriado, apesar dos pesares, encontrei gente querida e comprei (finalmente!) um iPad que com certeza vai me ajudar muito em novas criações. Outra compra que rolou foi uma câmera analógica Kodak M35. Custou baratinho e não sei como vai ser o resultado das fotos, mas estou animada para testar na semana que vem, na minha viagem a São Paulo. Crises de dor à parte, é bom estar viva e no mundo, a cada dia mais disposta a honrar minhas esquisitices.
O texto que eu tava precisando pra começar o dia, afinal, hoje é segunda-feira e ninguém sabe o que será... ❤️
a cada edição, mais admirada e amante da sua escrita. juro! amei que vc trouxe esse poema do Drummond pois me identifico horroresssss