#9 – Como os nossos pais
Não sei se você já assistiu Ozark, mas essa newsletter vai incluir um pequeno spoiler sobre a trajetória de certo personagem na última temporada. Se você nunca assistiu, Ozark é uma série que trata de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, família e desespero. Embora os personagens tenham motivações variadas, é um tema recorrente essa necessidade de proteger a família a qualquer custo (mesmo quando o custo se revela extremamente alto). A única exceção parece ser Ruth Langmore, que — desde o começo da série — se mostra dividida entre o desejo de se afastar do destino da família e a tristeza em constatar que esse afastamento não é possível. Isso porque, na cidade pequena em que moram, o sobrenome Langmore já se tornou sinônimo de problema. Com um pai e dois tios conhecidos por diversos roubos e agressões, Ruth passa boa parte da série lidando com a sensação de não poder escapar do destino que o seu sobrenome carrega (ora decidindo abraçar o próprio fardo, ora tentando desesperadamente se afastar dele).
Na última temporada (aí vem o spoiler), encontramos uma Ruth que conseguiu um bom dinheiro de forma legal e teve a chance de limpar o próprio nome. Ruth diz sorrindo: "a primeira Langmore com a ficha limpa", e a gente consegue ver no rosto dela o alívio de quem, finalmente, se libertou de uma espécie de maldição hereditária. Mas, em vez de ir embora da cidade e cortar esse laço de forma definitiva, ela decide ficar. E, ao decidir ficar, acaba, enfim, caindo na armadilha criada pelo seu sobrenome.
Não vou me aprofundar no destino que teve a personagem, mas me entristeceu ver que ela não conseguiu se libertar do peso de ser uma Langmore no fim das contas. Talvez porque eu tenha assistido à série num momento em que, com frequência, me pego percebendo a minha tendência a seguir os caminhos da minha família, a repetir os mesmos erros, a cair nos mesmos buracos. Talvez porque precisasse sentir alguma esperança de que a gente pode, sim, romper com as sentenças que o nosso sobrenome nos impõe.
E eu acredito que a gente possa. Mas é uma ruptura custosa, como se fosse necessário um esforço contínuo pra impedir dois grandes ímãs de se aproximarem outra vez.
Na semana retrasada, um dos links que eu recomendei foi esse texto da Nara Vidal, que aponta como, na tetralogia napolitana, Lenu (e Lila também, de certa forma) vive a agonia de ver que as mulheres do bairro só têm um caminho possível. Diante da mãe, por exemplo, o que a personagem enxerga é a possibilidade assombrosa de terminar a vida da mesma forma. Talvez isso também explique por que a gente costuma sentir uma necessidade de afastamento dos pais em determinada fase da vida. Imagino que seja esse o momento em que encaramos, pela primeira vez, a possibilidade de cometer os mesmos erros que eles, cair nos mesmos buracos, sejam eles quais forem.
É aí que, como a Ruth, muitas vezes nos debatemos entre abraçar esse destino que parece inescapável ou tentar bancar a ruptura (que a gente logo descobre que pode custar bem caro). Nem sempre romper o pacto é possível. Às vezes, demora. Às vezes, é preciso, primeiro, cair nos buracos que o nosso sobrenome nos impõe pra só então alcançar alguma chance de escapar.
Li, assisti, encontrei
✷ Esses dias vi 42 dias de escuridão, série chilena que saiu na Netflix e é baseada em uma história real. A série acompanha o desaparecimento de uma mulher e é do tipo que deixa um gosto amargo na boca, porque lembra a gente quão pesado é ser uma mulher num mundo onde a vida das mulheres vale tão pouco.
✷ Na última newsletter, contei que tinha lido Bobagens imperdíveis para ler numa manhã de sábado, da Aline Valek, e essa semana acabei lendo Neuroses a varejo, da mesma autora. O livro traz contos com elementos insólitos e um humor cheio de ironia.
Outras notícias
✷ Na terça (31/05), vai ser lançado o primeiro número da Revista Noturna! Pra quem me acompanha há pouco tempo e não sabe, a Noturna tem a proposta de publicar só mulheres escritoras de horror. A revista vai ficar disponível gratuitamente em todos os formatos digitais, então, se você curte narrativas de horror, já segue a gente no Instagram e no Twitter pra acompanhar.
✷ Da semana passada pra cá, chegaram umas 100 pessoas novas por aqui. A maior parte eu acredito que foi a partir desse tweet meu que viralizou. Então: oi, pessoas novas! Meu nome é Maíra, eu sou revisora e escritora (de vez em quando, também artista). Tenho 2 livros de poesia publicados, agora estou escrevendo um de contos de horror, mas também amo escrever uns textões sobre a vida e o mundo. Aquariana, carioca, 32 anos. Lá no Instagram eu posto umas colagens, uns poemas e umas impressões sobre os livros que leio. Espero que vocês gostem da Café com caos e continuem por aqui.
Até a próxima!
Maíra