Um tempo atrás, passou pela minha timeline um vídeo do Tarantino conversando com a Fiona Apple. Ou, melhor, do Tarantino fazendo um monólogo enquanto a Fiona Apple ouve, sem conseguir disfarçar o cansaço de conversar com um homem que fala muito e ouve pouco. Não é uma situação incomum pra qualquer mulher que convive com homens — especialmente heterossexuais, brancos, cis. Muito menos pra mulheres que se relacionam afetivamente com eles. Mal dá pra contar nos dedos das mãos quantas vezes eu ouvi um homem falar parágrafos e parágrafos e me ouvir por uma linha (enquanto ele tomava fôlego pra falar por mais muitos parágrafos). São homens que estão acostumados a estar nessa posição. Eles foram ouvidos a vida inteira. Eles aprenderam que a opinião deles importa bastante, que eles têm muito a dizer — e o mundo tem muito a escutar. São homens acostumados a falar, mas que sabem pouco ou nada sobre escuta.
Pra lidar com isso, seja na esfera afetiva ou profissional (porque eles estão em todos os lugares), a gente vai aprendendo que a nossa chance de falar envolve uma disputa. É preciso encontrar brechas, se impor, falar com firmeza, não desistir, não parar ao ser interrompida, falar mais alto. É preciso brigar pra ter a chance de falar.
O problema é que cansa. Cansa muito disputar espaços. Cansa muito saber que a nossa possibilidade de ser ouvida, circular pelo mundo, acessar certos lugares depende sempre da nossa disposição pra brigar por isso (e aí, é claro, isso vale não só pra mulheres, mas pra todos os grupos marginalizados que de alguma forma precisam disputar territórios). Boa parte das vezes, eu desisto. Vou deixando os homens falarem, desanimo depois da segunda interrupção, nunca tive muita vocação pra competir. Muito menos nessa modalidade. Eu falo baixo demais, eu sou introvertida demais pra dar conta dessa briga. Me cansa. Eu desisto rápido.
O que me faz pensar em quantas vozes femininas nós conseguiríamos ouvir se os homens fizessem um pouco mais de silêncio. Quantas vozes de mulheres estão escondidas sob a fala alta e contínua dos homens? Mulheres que estão cansadas da disputa, mas ainda têm muito a dizer — e poderiam ser mais ouvidas se eles fizessem um pouquinho de silêncio, vez ou outra. Porque a fala excessiva deles tem qualquer coisa de semelhante ao hábito de sentar com as pernas abertas: eles se espalham tanto que sobra pouco ou nenhum espaço pra gente. Por trás de um homem que fala muito e ouve pouco, é bastante provável que exista uma ou mais mulheres em silêncio. Esperando uma brecha. Cansando de ter que buscar uma brecha. Desistindo da brecha.
Talvez seja ainda mais cansativo porque a gente sabe que não pode contar com eles pra repensar os próprios excessos. Pra — literal ou simbolicamente — fechar as pernas e prestar atenção em quanto espaço estão ocupando, em quão pouco espaço estão deixando pras mulheres. Se houvesse mais essa postura, é possível que a gente precisasse fazer menos esforço pra falar. Sem ter que repetir a mesma frase quatro vezes depois de ser interrompida. Sem ter que falar num volume três vezes mais alto pra competir com as outras vozes que não param nem por um minuto. Sem a sensação de que estamos falando umas pras outras, porque eles, mesmo quando escutam, não ouvem.
Eu ando cansada de disputar espaços. De precisar disputar espaços. E ando mais cansada ainda de saber que, se a gente não brigar por eles, os homens vão seguir falando, falando, falando, tão entretidos com o som da própria voz que muito provavelmente não vão nem reparar que nós não estamos dizendo nada.
Li, assisti, encontrei
✷ Fiquei apaixonada pelas peças da Anastassia Zamaraeva, que conheci esses dias no Instagram. Aliás, fiquei tão apaixonada que encomendei cerâmica fria pra experimentar. Imagino que seja um tanto terapêutico.
✷ Uma thread com um guia dos botecos de Copacabana.
✷ Parece bem interessante esse curso sobre a história do cinema de horror brasileiro.
✷ Chegou hoje o meu exemplar dos Diários de Sylvia Plath e já tô animada pra começar a ler. Graças à newsletter maravilhosa da Bárbara Bom Angelo, ando me interessando mais por diários de escritores (e tenho pensado até em voltar a ter um).
É impossível ‘capturar a vida’ se a gente não mantém diários.
(Sylvia Plath)
Oi! Vou deixar a mesma dica que mandei pra Babi sobre os diários da Sylvia:
https://www.youtube.com/watch?v=vWzXUXD9pJo&t=813s&ab_channel=LiteraTamy
:)
Seus textos me descansam de alguma forma :)