#47 – "Estou viva e escrevendo"
Vitamina de mamão. Alguns remédios no café da manhã. Tenho tido bastante tempo livre e às vezes uso para morrer, às vezes para estar viva. Flutuo. A psiquiatra diz a palavra: bipolaridade. E de repente tudo parece fazer muito sentido. Vários dias com dificuldade de sair da cama, vendo o mundo acabar; outros com uma eletricidade dourada correndo pelo corpo, uma vontade avassaladora de comer a vida com as mãos. Com frequência, me vejo eufórica, agitada, frenética, fazendo planos, trocando mensagens, acordando cedo, me movimentando, produzindo, querendo querendo querendo. E logo depois, como quem sem querer tropeça em um buraco no asfalto, caio. Dias seguidos sem fazer nada além de ficar no sofá ou na cama, o mesmo pijama surrado, cabelo sem lavar, maratonando filmes ou séries, dificuldade em responder mensagens, choros e choros, a inescapável sensação de que tudo dá em nada, de que tudo é nada, de que não é possível fugir do nada.
Entre subidas e descidas, caminho. Tenho feito o possível para desenhar. Há pouco tempo retomei a escrita do meu livro de contos. Fui ao aniversário de três ou quatro amigos nas últimas semanas. Adotei um gato no começo do ano. Emagreci 50 kg de 2023 para cá. Domingo completei um ano de namoro. Um ano, também, em que a não monogamia entrou na minha vida. Estou fazendo um curso de Design Gráfico. Assisto às aulas do doutorado em Literatura comparada. Saio de casa para pegar sol nos dias frios. Faço planos. Cogito caminhos. Ensaio, penso, mudo de ideia, me confundo, revejo, fico em dúvida, mas desejo. E isso talvez seja a coisa mais importante de todas.
Muito se moveu em mim desde setembro do ano passado, quando mandei a última edição da newsletter. Quis voltar para cá muitas vezes, rascunhei recomeços, mas, no fim das contas, sentia que não tinha nada a dizer. É mentira. Constantemente penso no que eu gostaria de estar escrevendo (ainda que não escreva). O problema é que escrever dói. A escrita cobra um preço, ela exige que você tenha disposição para encarar coisas horríveis, para encostar na pele enrugada e apodrecida das coisas horríveis. Nem sempre estamos dispostos. Acho que eu não estava. Agora, aos poucos, volto a estar.
Não sei quem eu ainda vou encontrar por aqui quando enviar esse e-mail. Imagino que o texto chegando na caixa de entrada depois de um ano de sumiço cause algumas possíveis reações de ué, quem é essa pessoa?. Mas também preciso comentar a minha felicidade em ver — ao longo de toda essa ausência — e-mails chegando praticamente todos os dias para me avisar que novas pessoas estavam assinando a newsletter. Ainda que ela estivesse abandonada, desatualizada, sempre tinha alguém novo chegando. O que alimentava a minha vontade de voltar. Aos que chegaram recentemente e aos que decidirem ficar: muito obrigada pela companhia e prometo (tentar) não sumir de novo.
Como disse a em uma edição recente da : “estou viva e escrevendo”. Acho que eu também.
Li, assisti, encontrei
✷ Tenho visto muitos filmes e às vezes deixo uns comentários aleatórios lá no Letterboxd. Os últimos que me empolgaram foram: Kinds of kindness, do Yorgos Lanthimos, que — apesar de muito longo pro meu gosto — me agradou pela estranheza e também pela forma como fala sobre diferentes formas de devoção; e Beetlejuice 2, é claro, porque eu nasci nos anos 90 e Lydia Deetz foi uma das minhas primeiras referências góticas. Confesso que torci a cara e pensei que essa seria mais uma daquelas continuações pavorosas, mas adorei. Leve, despretensioso, divertido, bom demais.
✷ Estamos todos vendo as mesmas coisas? Ótima reflexão da Babi sobre algo que me incomoda bastante nesses tempos de algoritmos e bolhas viciadas.
✷ “O brasileiro quer sempre reduzir a dureza do mundo através do diminutivo.” Achei muito bonita a percepção desse moço sobre a nossa forma de falar.
Bom te ler de volta!
Que grata surpresa, me identifiquei demais!!!