#52 – Coisas que digo a mim mesma numa noite de domingo
Ainda vai levar alguns anos até eu perder os dentes. A existência do shampoo a seco me tranquiliza. É sempre uma opção não ir. É sempre uma opção sumir. É sempre uma opção me fazer de desentendida. Importa muito pouco que eu não saiba diferenciar algumas verduras no mercado. Um cavalo é capaz de morrer de cólica pois não consegue vomitar, seu estômago simplesmente se rompe. Segundo minha mãe, é mais fácil atolar com o carro quando você anda devagar, quem anda rápido atola menos. Penso mais do que gostaria de admitir em produtos que quero comprar na farmácia. Nem sempre conseguimos entender as regras do jogo, mas é importante seguir jogando mesmo assim. Quando for o caso, improvisar é uma saída perfeitamente viável. Há muitas brigas que se pode vencer pelo carisma. É preciso aprender a nadar quando possível. É preciso aprender a dormir quando possível. É preciso aprender a vomitar. Cheguei até aqui sem saber o que estava fazendo, talvez seja um caminho. Acreditar não piora as coisas. Negligenciar as articulações dos joelhos piora as coisas. Às vezes, perder a cabeça é o melhor que se pode fazer. Gostaria de usar a expressão entrar na dança mais vezes. Desconfio que só a expressão entrar na dança expulsa a sisudez do corpo das pessoas. Não me levar a sério é o meu grande objetivo de vida. Nunca entendi quem não gosta de ver filmes repetidos. Nunca entendi quem consegue usar chapéus com naturalidade. No pior dos cenários, sempre podemos fingir que temos certeza. Acho muito difícil traçar linhas retas, mesmo com a régua. As cutículas das minhas unhas vivem levemente inflamadas. Começar a usar roupas largas é um caminho sem volta. Penso que aprender a fazer aquele rabo de cavalo baixo com o cabelo grudado de gel me daria outra perspectiva de vida. Alguns rabos de cavalo parecem pertencer a mulheres que sabem o que estão fazendo. Estou sempre patinando, mesmo quando ando com firmeza. Não sei se algum dia vou me acostumar com o meu nome. Percorro a linguagem como uma criança que só anda nos arredores de casa, sei que é a parte que me cabe, admiro as outras apenas de longe. Nos meus sonhos, todos os animais são cegos. Nos meus sonhos, minhas mãos nunca funcionam. Houve um dia em que escrever um poema parecia uma solução. Agora pronunciar a palavra “futuro” é como fazer uma prece num idioma antigo. Cheira a mofo o esfarelamento das palavras.
Entre dentes
Uma novidade: agora essa newsletter tem uma nova seção, a Entre dentes. A ideia é que lá seja um espaço para eu publicar pequenos contos esquisitinhos, que flertam com o horror, o perturbador, o bizarro, etc. Minha intenção é enviar só 1 texto por mês (provavelmente com uma duração limitada). O legal da seção é que você pode assinar ou desassinar só ela. Ou seja, se você não quiser receber esses textos, você pode entrar na Café com caos e desassinar especificamente essa seção.
Tenho passado os últimos sei-lá-quantos meses (anos? rsss) me dedicando a terminar um livro de contos, o que tem sido um tanto desafiador, então acredito que escrever e publicar esses textos vai me ajudar. O primeiro vai ser enviado ainda em outubro. Espero que a leitura seja boa por aí.
Li, assisti, encontrei
✷ A sul-coreana Han Kang ganhou o Nobel de literatura e eu aproveito a oportunidade para indicar o único livro dela que li: A vegetariana (com um preço ótimo na Amazon, aliás). Li ele tempos atrás, sem saber do que se tratava, e fiquei arrebatada. Virou um dos meus livros favoritos da vida. Esquisito, denso, bonito e enigmático.
✷ Ainda sobre a Han Kang, a primeira entrevista que ela deu pós-Nobel foi maravilhosa. Adoro a calma na fala dela nem parece que escreve só porrada.
✷ Como boa millennial que sou, é claro que fui ver a nova série do menino Seth Cohen, leia-se: Ninguém quer (está na Netflix). É uma comédia romântica delicinha, com episódios de 30 minutos, protagonizada pelo nosso querido Adam Brody e pela Kristen Bell (que na minha cabeça também será eternamente a Eleanor de The good place). Recomendo pra quem quer passar uma tarde maratonando algo leve, despretensioso e confortável. E convenhamos que Seth Cohen quarentão é tudo que nós millennials precisávamos. Obrigada, universo.
✷ Fiquei surpresa e bem feliz que a tirinha que ilustrou a última edição da newsletter apareceu lá na Substack Reads!
Começou como uma playlist pra ouvir enquanto eu cozinhava minhas receitinhas, mas aos poucos foi virando isso daí. Um tanto jovial talvez? Sim. Ando jovem, escutando Chappell Roan, Charli XCX, Mitski, Japanese Breakfast. Nessa playlist especificamente, tem um tanto de músicas animadas & gostosinhas, do tipo que eu ouviria na academia (se eu fosse pra academia), me sentindo uma legítima Mulher Capaz™ (se eu me sentisse uma legítima Mulher Capaz™).
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"Um cavalo é capaz de morrer de cólica pois não consegue vomitar, seu estômago simplesmente se rompe." Isso é tão forte! Um animal de tamanha força e grandiosidade pode perder a vida por algo mal digerido. Dá uma bela metáfora pra nós, animais humanos, também.
"Nunca entendi quem consegue usar chapéus com naturalidade" (tenho vários e nunca sei quando/como usar)